Jovens que completam 18 anos deixam abrigos sem perspectiva profissional. Faltam
ações para ajudar na transição para a vida adulta
Prestes a completar 18 anos, no mês que vem, Bruno (nome fictício) já tem
algumas certezas na vida. Uma é de que nunca mais verá seus irmãos. Um foi
adotado há mais de cinco anos e outros dois estão presos por tráfico de drogas.
Com a destituição familiar decretada pela Justiça em 2005, a única informação
que ele possui da mãe é que ela se tornou moradora de rua. “Ela não tinha mais
condições de nos criar. Desde pequeno, eu a ajudava a catar material reciclável
pelas ruas”, conta.
Bruno é um dos 2.187 menores de idade que vão completar a maioridade dentro
de abrigos no Brasil ainda em 2012. Consequentemente, deixam de estar sob a
tutela do Estado e enfrentam sozinhos a transição para a vida adulta.
Bruno, que já cheirou cola e fumou maconha antes de completar 6 anos de
idade, morou primeiramente em uma instituição de Piraquara, na Grande Curitiba,
onde ficou por 3 anos. Depois, passou a residir na Casa do Piá 3, na capital.
Ele não esquece o dia em que pisou pela primeira vez no abrigo: 21 de junho de
2005. “Aqui é a minha família”, diz. Outra certeza de Bruno é não querer o mesmo
destino dos irmãos presos. Para isso, estuda à noite – está no 1.º ano do ensino
médio – e trabalha em uma metalúrgica, das 8 às 15 horas.
Com a maioridade, os jovens abrigados são considerados aptos a viver por
conta própria, mesmo quando não possuem capacitação profissional. Como não há um
programa direcionado exclusivamente a esse público no Brasil, o risco de que
eles caiam nas armadilhas da rua é grande.
Por isso, o caso de Bruno pode ser considerado uma exceção à regra. Como todo
adolescente, ele tem dúvidas acerca de seu futuro – a maioria delas ligada ao
destino profissional. “Quero fazer cursos técnicos e subir de cargo na empresa.”
Hoje seu salário é de aproximadamente R$ 600 por mês e ele diz ter algumas
economias guardadas na poupança.
Depois de celebrar seu aniversário, existe a possibilidade de ele ficar ainda
mais alguns meses no abrigo. Mas só até conseguir a casa própria. “Fiz a
inscrição no Minha Casa Minha Vida. Acho que o fato de eu ser sozinho e querer
ser alguém na vida me motiva a ir atrás das coisas.”
Políticas públicas
Para o sociólogo e professor da Universidade de Brasília (UnB) Antônio Flávio
Testa, uma das principais falhas do sistema é justamente a ausência de políticas
públicas para a juventude – especialmente a quem está em abrigos. “Pela
legislação, o atendimento nos abrigos é obrigatório até a pessoa completar 18
anos. Como o jovem vai fazer se for obrigado a sair dali sem emprego e sem
casa?”. Testa afirma que deveria existir uma instituição que fornecesse aporte
técnico e psicológico para eles. “Se não houver uma intervenção eficaz do
Estado, o jovem cairá na criminalidade”, avalia.
Janaína Rodrigues, membro do Conselho dos Direitos da Criança e Adolescente
do Paraná, também considera haver uma lacuna nas políticas públicas.
“Principalmente para quem completa a maioridade em abrigo. Em alguns estados
existem repúblicas que mantêm jovens até 21 anos, mas ainda são poucos.” Para
ela, o problema está na desvinculação imediata do Estado quando o jovem atinge a
maioridade. “Ele pode sair da instituição, com grande chance de se perder na
vida”, diz.
Quanto mais idade tem a criança, mais difícil é a sua
adoção
As estatísticas comprovam. Quanto mais idade tem a criança ou o adolescente,
mais difícil é a adoção. Segundo o último boletim do Cadastro Nacional de Adoção
– mantido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – de junho deste ano, existem
no Brasil 454 jovens de 17 anos aptos à adoção e 530 de 16 anos. Ao passo que em
todo o território nacional há somente 21 bebês com menos de 1 ano na mesma
situação.
Para as crianças entrarem na fila de adoção é necessário que ocorra a
destituição familiar – que acontece quando nenhum familiar tem condições de
ficar com a criança. O Paraná tem o terceiro maior número de crianças e
adolescentes disponíveis para adoção: 641.
“Essas pessoas perdem o elo com a família e não tiveram chance de adoção. Por
isso é essencial que, quando saírem do abrigo, encontrem possibilidades de dar
continuidade a suas vidas”, opina Janaína Rodrigues, membro do Conselho dos
Direitos da Criança e Adolescente do Paraná.
Lei
A legislação, de 2009, determina que as crianças não podem ficar mais de dois
anos em abrigos de proteção, exceto se houver alguma recomendação judicial. A
lei também estabelece que a cada seis meses a situação da criança seja revisada.
A partir daí, indica se ela será encaminhada para adoção, se pode voltar para a
família de origem ou, ainda, se deve permanecer no abrigo. “Mas ainda não há uma
preocupação em como fazer a reinserção social do jovem quando ele sai do abrigo
depois que completa 18 anos”, reforça a vice-presidente da Comissão de Direitos
Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil – seção Paraná, Isabel Kugler Mendes.
Publicado: Gazeta do Povo em 17/07/2012
http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?tl=1&id=1275805&tit=De-menor-a-maior-abandonado