25/07/2013

Acolhimento familiar

Acolhimento familiar é alternativa humanizada aos antigos orfanatos

Incentivada pelo governo estadual, modalidade temporária de abrigamento se torna comum em diversas cidades do Paraná
 
Em um passado recente, crianças que perdiam o vínculo familiar estavam quase sempre fadadas a crescer nos orfanatos, às vezes privadas de afeto e referências maternas. Alternativas mais humanizadas, entretanto, já são previstas em lei e têm rendido bons resultados em municípios paranaenses. Uma delas é o acolhimento familiar, modalidade de abrigamento em que uma família recebe subsídios do governo – geralmente 75% de um salário mínimo e uma cesta básica – para abrigar uma criança ou adolescente por tempo indeterminado, até que seja adotada ou tenha condições de voltar para a família natural.
 
De acordo com a Secre­taria Estadual da Família e Desenvolvimento Social, atualmente os municípios de Apucarana, Guarapuava, Piên, Castro, Cascavel, Pla­nalto, Londrina e Curitiba mantêm programas de acolhimento familiar, com auxílio de recursos do governo do estado. No entanto, a iniciativa pode existir em outras cidades, apenas com recursos municipais. Em Apucarana, as cinco famílias cuidadoras integrantes do Programa Família Guardiã receberam o primeiro repasse da Secretaria Municipal de Assistência Social para ajudar nas despesas com as crianças. Atualmente, cada família cuida de uma criança. Legalmente, até três podem ser acolhidas na mesma casa, e irmãos devem ficar juntos sempre.
 
A coordenadora do Fa­mília Guardiã, Patrícia de Oliveira Vecchi, recorda que a lei que regulamenta o programa é de 2003, mas somente agora as ações serão intensificadas. “Temos vagas para 10 famílias e queremos ampliar para 20. O Conselho Municipal da Criança e do Adolescente quer que nos reorganizemos dentro dos parâmetros nacionais, que buscam garantir à criança convivência familiar e comunitária.”

Casa-lar
 
Além do acolhimento familiar, desde 2009 Apu­carana mantém com recursos públicos duas casas-lares, uma feminina e uma masculina, com 10 vagas em cada. O município também conta com uma instituição de acolhimento não governamental para 20 crianças. “Para a criança, o mais vantajoso ainda é a família”, defende Patrícia.
 
Em Apucarana, a família provisória – formada por pai e mãe, ou apenas uma das figuras paternas –, em princípio, deve ficar com a criança por dois anos, com avaliações semestrais. Cuidadores estão sendo cadastrados na cidade para receber, sobretudo, adolescentes, já que as chances de adoção para eles são menores. Para ser um pai ou mãe temporário, não há requisitos fixos, já que a análise é caso a caso. “A pessoa precisa ter condições de garantir segurança, saúde e educação. O foco precisa ser a criança, não o benefício financeiro”, frisa Patrícia.

Há 10 anos, Rosemeire se dedica a Lara
 
Embora não seja a ideia do acolhimento familiar, o Programa Família Guardiã, em sua fase inicial, beneficia alguns casos parentais, como o de Lara, 10 anos, que é filha de uma prima de sua mãe cuidadora. Aos 5 dias de vida, ela foi retirada da mãe biológica, detida pela Justiça em São Paulo. “Sem parentes próximos, Lara ia acabar num orfanato. Foi aí que minha mãe, já falecida, trouxe ela para nós cuidarmos. Hoje, ela sabe de toda a situação”, conta a dona de casa Rosemeire Aparecida Ramos Ananias, 34 anos, que tem a guarda da menina.
 
Ao lado do marido, Cláudio Donizete Ananias, 45, a moradora da periferia de Apucarana conta que, há dez anos, dedica-se exclusivamente ao bem-estar de Lara. “Um dia, estava ali no ponto de ônibus e uma vizinha que sabe da história da Lara me falou sobre o Família Guardiã.” Entre a entrada com a papelada na prefeitura, recorda Rosemeire, e a inclusão da família no programa municipal, o intervalo foi de um ano. “Minha preocupação é toda com ela, não trabalho, fico por conta de levá-la na escola, no médico. O dinheiro é só para comprar coisinhas para ela, roupa, tudo o que ela precisa. Estou muito feliz, graças a Deus.”
 
A coordenadora do Família Guardiã, Patrícia Vecchi, recorda que algumas mães que já cuidavam de crianças foram inclusas na lista de beneficiados, mas o objetivo, daqui para frente, será encontrar pais provisórios para que crianças não acabem em abrigos. “Até porque hoje a lei prevê a guarda para parentes, naturalmente.”
 

Modalidade leva vantagem sobre abrigos tradicionais
 
Por ser uma situação transitória, o acolhimento familiar é um vínculo construído para ser quebrado. Ainda assim, na visão de especialistas, é mais vantajoso do que os tradicionais abrigos. “Do ponto de vista da criança, as vantagens são todas, porque ela não divide a necessidade de carinho e afeto como na casa lar e pode ficar com os irmãos, caso tenha, na mesma casa”, defende o educador, pesquisador e servidor da assistência social de Foz do Iguaçu, Valtenir Lazzarini. Segundo ele, o município implantou o acolhimento familiar subsidiado em 2002, mas o convênio foi encerrado em 2010. Cerca de 80 famílias participavam do programa. “É um modelo muito vantajoso, apesar de tudo, porque vínculos nós estabelecemos e rompemos a vida toda.”
 
A coordenadora da Seds, Elenice Malzoni, lembra que o acolhimento familiar é uma modalidade incentivada pelo governo estadual, que está recebendo projetos de acolhimento institucional para que municípios e instituições recebam recursos programa “Crescer em Família”, provenientes do Fundo Estadual para a Infância e a Adolescência e deliberados pelo Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cedca). “Neste ano de 2013, sete municípios no estado que possuem o acolhimento familiar estão pleiteando recursos na forma de bolsas mensais, no valor de R$ 500,00, valor que deve ser complementado pelos municípios em 30% para financiar o serviço de famílias acolhedoras.” Para receber recursos estaduais é necessário ter uma Lei no Município que cria o serviço.
 
A psicóloga de Curitiba Bárbara Snizek, que tem mestrado sobre abrigamento, avalia o modelo como muito superior aos anteriores, que não reproduziam o modo familiar. Para ela, a quebra de vínculo quando a criança é adotada ou volta para a família natural não invalida os aspectos positivos do acolhimento familiar. “A média de acolhimento é de dois anos e, nesse período, os vínculos são importantes. Essa criança tem que aprender a se relacionar, fazer vinculo, ser humanizado, ter afeto. Se houve afeto, é positivo. É uma perda para os dois lados, mas é perder para ganhar.”
 
Publicado em 25/07/2013 pela Gazeta do Povo