02/04/2012

São 37 mil crianças em busca de pais

Apesar de a Lei da Adoção limitar em dois anos o período de permanência de meninos e meninas em abrigo, a quantidade de menores sem família só aumenta

É de mês em mês que um dado desanimador cresce no Brasil: a quantidade de crianças e adolescentes vivendo em abrigos, após o afastamento do convívio familiar. Em maio do ano passado, quando os dados passaram a ser inspecionados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), eram 30,5 mil. Em agosto de 2011 somavam 33 mil casos e atualmente são 37.240 meninos e meninas que estão sem família.
O aumento pode ser consequência de ações mais efetivas de conselhos tutelares, como a intervenção de casos por maus tratos. Mas o fato é que ativistas na área de adoção esperavam que dois fatores fossem capazes de forçar a diminuição dos números. Um deles é a criação da Lei Nacional de Adoção, de 2009, que limita em dois anos o período de permanência em abrigos; o outro é o Cadastro Nacional de Adoção (CNA), criado em 2008.

Estima-se que, quando não havia acompanhamento constante dos casos de abrigamento, aproximadamente 80 mil crianças e adolescentes viviam em instituições no Brasil. O número nos dias atuais teria caído a menos da metade, contudo, por outra triste realidade: as meninas e os meninos atingiram 18 anos e tiveram de deixar os abrigos, sem terem ganhado novos pais. O Paraná ocupa a quinta posição no ranking de números de abrigados, com 2.943 em 131 casas de acolhida.
Aumenta também os registros de crianças e adolescentes aptos à adoção. Eram 4.427 em março de 2011 e são 5.049 atualmente – 14% a mais. O acréscimo até pode ser considerado positivo, porque em mais casos de abrigamento a Justiça agiu, concluindo o complicado processo de destituição do poder familiar e permitindo que se começasse a procura por novos lares para eles.

Estrutura
Para a ONG Recriar, que auxilia pessoas interessadas em adotar, a falta de estrutura suficiente acarreta numa angustiante demora, tanto para as crianças e jovens quanto para os candidatos a pais. Um levantamento em Curitiba apontou que a habilitação de pretendentes a adotar demora cerca de um ano e, depois, são em média mais dois anos de expectativa para quem quer adotar grupos de irmãos; três anos para a adoção de uma criança acima de seis anos e cerca de cinco anos para a adoção de um bebê de até um ano de idade.
A juíza Maria Lúcia de Paula Espíndola, da 2ª Vara da Infância e da Juventude de Curitiba, discorda do cenário apresentado pela ONG. A juíza assegura que o processo de habilitação – em que os pretendentes a pais cumprem as exigências judiciais, como apresentar documentos e participar de cursos e entrevistas – leva em torno de oito meses. “Esse período é essencial para que haja um amadurecimento da decisão de adotar e da percepção do que representa assumir a criança. Às vezes, a família chega aqui querendo um bebê, mas com o passar do tempo entende que o que considerava essencial não é mais”, diz. Ela também garante que, se um casal quer adotar um grupo de irmãos, o processo leva menos de um ano.

Casal conseguiu adotar porque buscou sozinho

O casal Sandra Mara e José Henrique Volpi tinha tudo para concluir o processo de adoção rapidamente. Juntos há 17 anos, os dois psicólogos, que não faziam exigências quanto a gênero, idade e pré-existência de doenças, aceitavam também adotar irmãos. Contudo, mesmo depois de concluído o processo de habilitação, eles não foram incluídos no Cadastro Nacional de Adoção (CNA). “Descobrimos que o nosso processo estava parado no cartório há uns seis meses”, conta Sandra Mara. Em setembro de 2009, ela e o marido iniciaram o processo de adoção. Seis meses depois estavam aptos. Mas nada do telefonema que tanto esperavam do Judiciário.
Foi quando foram informados sobre um casal de irmãos, de 8 e 4 anos, em Santa Catarina, que estava no cadastro para adoção. Rafael e Angélica estavam prestes a serem encaminhados a algum país estrangeiro por causa da suposta falta de interessados no Brasil.
A questão é que, para adotar o casal de irmãos, José Henrique e Sandra Mara deveriam estar no CNA, mas não estavam. “Só ficamos sabendo do caso em Santa Catarina porque uma amiga que sabia da nossa procura nos informou”, relata Sandra. O contato aconteceu em maio de 2010. O CNA foi criado em 2009 justamente para vencer as barreiras geográficas dentro do próprio país.
A psicóloga conhece outros casos de famílias paranaenses que recorreram ao sistema de Santa Catarina porque não aguentaram esperar o desenrolar do processo por aqui. “É muita expectativa. É um tempo doloroso demais. E também é ruim para a criança que está em um abrigo esperando uma família. A demora não deveria ser maior do que um ano”, acredita. Agora, felizes com os dois filhos, Sandra defende a chamada adoção tardia. “Foi muito mais fácil lidar com crianças que tinham consciência de que estavam sendo adotadas. Costumamos dizer que foi uma adoção mútua. Elas também nos adotaram”, resume.

Fonte: Gazeta do Povo, publicado em 02/04/2011
http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?tl=1&id=1240006&tit=Sao-37-mil-criancas-em-busca-de-pais

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